Vale dos Pinheiros

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Capítulo 28﹘Ilusão de Ótica

Pelo correio, chegou a encomenda de um livro. Era para a vovó que estava louca para se sentar sossegada e ler um pouco. Acontece que dois de seus filhos pediram ajuda com os netos. Justamente Helena e Carolina estavam passando aquela semana na sua casa.
As duas primas sabiam muito bem que a avó gostava de aproveitar a companhia delas. Ela inventava brincadeiras, levava as duas para passear e tomar sorvete. Ali eles eram mimados de todas as formas possíveis, mas, naquela tarde, o cansaço chegou, e a jovem senhora só queria aproveitar a recém-chegada leitura, só por umas duas horas, só para esticar as pernas.
Ela pensou num jeito de deixar as duas quietinhas, encontrar alguns livros de colorir, tipo o Bobbie Goods. Revirou na gaveta, onde guardava vários tipos de diversão para os netos, e encontrou um que serviria para Helena, um com imagens de ilusão de ótica. E Carolina? Ela não ia sossegar apenas com umas canetas coloridas, precisava de mais estímulo. Ia ter que apelar para a tela. 
Gente da geração dela não gostava de jogar as crianças no mundo virtual, mas ela se prometeu que seria apenas hoje. Se tivesse imaginado que combinação desafiadora isso iria se tornar, teria pensado em qualquer outra coisa.
Enquanto Helena caprichava, preenchendo os espaços com várias canetinhas coloridas e sentindo o cérebro se confundir com as ilusões de ótica desenhadas no livro, Carolina nem acreditou que ia ter um celular só para ela por algum tempo. Que sorte.
— O que você está fazendo? Perguntou Helena, em voz baixa, para não atrapalhar a avó.
— Estou montando uns desenhos com inteligência artificial. Depois a gente pode pedir para imprimir e pintar. Ela explicou animada.
— Gostei. Posso escolher um desenho? Helena perguntou, perdendo o encanto pela pintura e querendo mexer no celular. — Quero que você peça pra ele desenhar um labirinto de espelhos, que nem a gente viu naquele filme de mistério.
— Jura que você escolheu um negócio complicado desses, onde os reflexos vão se sobrepondo até termos imagens infinitas? Acho que o celular da vovó não dá conta, não. Acho que está na hora dela trocar para um celular mais novo.
— A gente pode tentar. Já ouvi tanta gente dizer que a inteligência artificial vai nos substituir. No mínimo, precisa conseguir atender às coisas que a gente pede. Helena fez sua carinha de pedinte.
— Vou tentar. Carolina falou, um tanto desapontada. — E, de todas essas coisas que você fica ouvindo por aí, não devia dar tanta atenção. Ninguém é tão esperto assim, capaz de saber como vai ser o futuro.
— Meu pai trabalha com gente muito inteligente que fica tentando entender como vai ser o futuro. Helena reclamou porque achava o máximo que seu pai era professor de Astronomia, e as duas começaram a subir o volume da conversa, uma irritando e querendo saber mais do que a outra.
Provavelmente porque o celular da avó não tinha mesmo tanta potência de processamento, as imagens saíram muito malucas. Ao invés de espelhos simples, apareceram espelhos com molduras douradas saindo um de dentro do outro. Numa outra imagem, muito longe de conseguir construir um labirinto, o que se via eram jardins de palácio com uns espelhos cobrindo o chão, no meio das plantas. Em outra tentativa, os reflexos não eram reflexos, porque em cada lado representavam coisas diferentes, pessoas diferentes com roupas diferentes. Foi uma explosão de falta de lógica, que chegou a provocar angústia.
As meninas estavam quase brigando, quando seu pai tocou a campainha para buscá-la, e Helena começou a rir.
— Papi, descobri que os computadores também sonham.