Vale dos Pinheiros

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Capítulo 10﹘A Princesa e a Ervilha

Entrou acelerada pela sala, quase tropeçando no tapete. Seus longos cílios piscavam rápido enquanto ela carregava um livro enorme. A avó, percebendo a urgência no olhar da neta, colocou o celular de lado.

— Vó, achei esse livrão com várias histórias de contos de fada e fiquei com uma dúvida. — disse Helena, colocando o livro no sofá, ao lado da avó, e abrindo na página marcada. Na ilustração, via-se uma princesa dormindo no alto de uma pilha de vinte colchões.

— Pode falar, meu bem. — respondeu a avó com carinho. Normalmente, meninas da idade dela já não liam contos de fada, mas Helena era diferente.

— No final, a princesa da ervilha é mocinha ou vilã? — disparou a menina.

A pergunta pegou a avó de surpresa. Logo essa história, onde não havia vilões nem mocinhos… Ela parou para pensar.

— Acho que nenhum dos dois… — começou, hesitante. As crianças de hoje eram tão espertas que, às vezes, deixavam os adultos sem resposta.

Helena continuou:

— A Carolina disse que essa princesa é folgada. Reclamou de sete ervilhinhas escondidas a vinte colchões de altura, o que é impossível de sentir. Outras princesas, como a Branca de Neve e a Cinderela, reclamaram com razão: uma porque a madrasta queria matá-la, e a outra porque era tratada como escrava.

A avó quase caiu para trás. Era muita informação de uma vez só, acompanhada das observações afiadas — e provocativas — de Carolina.

— Ah, então é isso? Vocês estavam lendo juntas essas histórias? Está bem. Me diz você: o que acha dessa princesa?

— Gosto desse desenho. — apontou Helena. — Dá uma sensação boa vê-la tão protegida no topo da pilha de colchões. Foi acolhida depois de se perder numa tempestade à noite.

— Talvez seja sobre isso, sobre acolhimento… — refletiu a avó. — Mas também acho que ela foi mal-agradecida. Depois de tanto empenho de quem a recebeu, reclamou que passou mal à noite. Nisso, a Carolina está certa: não houve motivo para tanta queixa.

— Verdade… — concordou Helena.

A avó sorriu.

— Você acha que essa atitude enjoadinha dela foi recompensada? No final, ela se casou com o príncipe, com a aprovação da rainha e tudo mais.

— Vai saber… Pode ser que o príncipe fosse mais chato ainda. — disse Helena, enrolando um cacho de cabelo no dedo.

A avó conteve o riso e não resistiu a acariciar os cabelos pretos e encaracolados da neta. Helena estava cada vez mais esperta e cheia de respostas.

— Pensando bem, acho que a Carolina está certa. Nunca parei para refletir sobre essa historinha. Em geral, dizem que o autor, Hans Christian Andersen — o mesmo de A Pequena Sereia —, fazia críticas divertidas às normas e expectativas da sociedade aristocrática, ou seja, da nobreza.

— Ah, tá. Carolina não gosta dessas frescuras de nobreza. — disse Helena, concordando.

— Por outro lado — continuou a avó —, há uma questão interessante que você pode comentar com sua prima. Eles descobriram a verdadeira linhagem da moça não por aparências externas, documentos ou registros, mas pela forma como ela foi educada: sua sensibilidade e atenção aos mínimos detalhes, às sutilezas.

— Ela não vai engolir essa… — retrucou Helena, saindo em disparada para o jardim com o livro no colo. Afinal, a avó não tinha conseguido argumentos melhores que os dela para confrontar Carolina.


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