
— Vó, vó, vem cá! A Belinha não está bem! — Andressa foi cutucar a avó, que dormia tranquilamente no quarto ao lado.
Belinha era a cachorrinha Lhasa que Andressa ganhara aos oito anos, quando decidiu ser veterinária. Normalmente, eles não levavam os animais de estimação para a casa de praia, porque eram muitos e causariam tumulto. Mas, desta vez, Belinha foi liberada, pois não estava completamente bem de saúde e precisava de mais cuidados.
— Oi, querida… Como assim? A Belinha não consegue dormir? — a avó perguntou, ainda tentando entender o que estava acontecendo.
Eram umas duas da manhã. A avó levantou com sono, calçou os chinelos e colocou um roupão sobre a camisola. Andressa continuava aflita.
Quando entraram no quarto, viram Carolina e Helena acordadas em suas camas. Belinha não parava de latir, olhando para a janela através da cortina fechada.
— Fez bem em me chamar. Ela está muito agitada mesmo… Deve ter algum animalzinho do lado de fora, no jardim — disse a avó.
Agora, mais atentas, ouviam um tipo de guincho, o chamado de algum animal silvestre.
Com cuidado, a avó abriu a cortina e logo viu qual era o problema: um saruê estava em frente ao vidro, reclamando alguma coisa com seus gritinhos.
Helena, assim que o viu de relance, saiu correndo do quarto e foi se esconder na sala, como se corressem grande perigo.
Carolina preferiu ficar e ajudar.
— O que será que ele quer? Parece que está procurando alguma coisa aqui dentro.
— Segura a Belinha — pediu a avó.
Andressa segurou sua cachorra, enquanto Carolina acendeu a luz e começou a procurar pelo que o saruê parecia estar atrás.
— Aqui! Aqui no banheiro! — Carolina chamou.
Deitado na parte côncava da pia, estava um filhotinho de saruê muito atrevido.
— Ah, meu Deus! Que coisa mais linda! — Andressa se encantou. — Helena, vem aqui conhecer que gracinha é o filhotinho!
— De jeito nenhum! É feio demais, parece um ratão gigante — disse a menina, arrepiando-se toda, de cima do sofá da sala.
— Você devia vir até aqui pra ver como é bonitinho… Pra vencer esse medinho! — a avó chamou, sorrindo.
Mas Helena também sabia ser teimosa quando queria e continuou encolhida no sofá.
No banheiro, a avó pegou uma toalha, pois não queria machucar o bebezinho nem retirar o cheiro dele. Muito habilidosa, conseguiu pegá-lo com cuidado e colocou-o para fora, em frente à sua mãe.
Na mesma hora, a mamãe saruê mudou de atitude: em vez de guinchar e arreganhar os dentes, apenas colocou o bebê nas costas e sumiu no meio da mata.
— Pode voltar, Lelê! O bebê já foi resgatado! — Carolina gritou para a sala.
— Parabéns, Belinha! Você salvou a vida do bebê saruê! — Andressa encheu Belinha de carinho, muito orgulhosa.
Helena voltou, meio sem graça.
— Eu não acredito como você é bobinha! Perdeu a chance de ver o bichinho mais lindinho! — disse Carolina.
— É feio, tem cara de ratão e rabo de rato — Helena reclamou.
— E qual o problema de ser rato? Todos os animais são úteis na natureza — Andressa bufou, sempre defensora dos bichinhos. Para ela, não havia bicho ruim.
— É como barata… Tenho nojo porque ela é nojenta — Helena franziu o nariz.
— Nada disso. A barata alimenta muitos animais maiores e é a única capaz de transformar até matéria inorgânica em orgânica — tipo plástico em comida. O que é indigesto para outras criaturas, elas conseguem transformar, como papel, madeira, cola, tecido e até cabelo. Ajudam na polinização e também liberam nitrogênio no solo, fortalecendo as plantas — explicou Carolina.
— Bleah! Nojento. Prefiro que as abelhas polinizem tudo! E os morcegos-vampirinhos? Tenho medo… Tem os que chupam sangue.
— A maioria absoluta dos morcegos só come frutas. É muito raro o morcego que morde animais. A maior parte das 1.300 espécies se alimenta de frutas ou insetos. No entanto, há três espécies que se alimentam de sangue.
— Aargh!!! Então eles existem mesmo! — a caçula reclamou.
— É… — Andressa teve que admitir. — Mas eles chupam bem pouquinho sangue, em geral, do gado.
— Tipo um mosquitão gigante? Eles existem só para irritar a gente e trazer doenças! — Helena estava irredutível.
— Só as fêmeas de mosquito chupam sangue. O macho ajuda a polinizar as plantas, decompõe matéria orgânica e serve de alimento para sapos, pássaros e lagartixas.
— Adoro lagartixa… — Helena finalmente concordou com alguma coisa. — E vocês duas, que sabem tudo: qual a função do saruê?
— Eles comem escorpião, isso é muito importante. Se tem uma família deles por aqui, não temos o que temer. Também ajudam na decomposição de animais mortos. São considerados necrófagos — comem coisas mortas.
De madrugada, não era hora para esse tipo de discussão. A avó queria que as meninas se acalmassem e voltassem a dormir depois da confusão.
— Agora não é hora de aula de Biologia. Amanhã a gente explica pra Helena a função de todos os animais mal vistos. Que tal?
— Temos que explicar mesmo, senão ela só fica passando vergonha! — disse Rafael, que também acordara com a bagunça.
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