
Deitada no colo da mãe, Andressa se espichava, ocupando a maior parte do sofá da sala, como se afirmasse que aquele dia era especialmente seu e que tinha o direito de ocupar todos os espaços. Como a mãe estava sempre viajando a trabalho, fazendo pesquisas em antropologia, era uma data especial quando todos podiam se reunir e ouvir suas histórias fantásticas pelo mundo.
A família a ouvia com atenção, enquanto Helena e Rafael dividiam um almofadão no tapete, jogando algum joguinho eletrônico no celular de alguém.
— E quem colocou fogo na Biblioteca de Alexandria? — perguntou Carolina, com os olhos vidrados na tia, que apenas suspirou e riu.
— Aparentemente, ninguém… Quer dizer, não do jeito que contam.
— O que os historiadores dizem, mamy? — Andressa deu a deixa para a explicação mais provável.
— É triste confirmar isso, mas as pesquisas recentes indicam que ela foi extinta pelo fogo silencioso, conhecido como “fogo lento”, quando materiais como o papiro se deterioram pelas condições climáticas. É um jeito poético de falar sobre a decadência desse material. Alexandria fica no Egito, próximo ao Mar Mediterrâneo, numa região úmida, e foi apenas a falta de cuidado e manutenção que causou a perda da maior parte dos seus tesouros.
— Construíram uma nova, a Bibliotheca Alexandrina — pontuou a avó, que acompanhava todas as notícias do mundo. — Está funcionando e ativa, mas jamais voltará a ser como foi um dia.
— Sim, fui até lá, tive a chance de conhecer — confirmou a mãe de Rafael.
Carolina suspirou:
— Tia, queria conhecer esse lugar. Mas não o de hoje. Queria poder viajar no tempo, ver os papiros enrolados nas prateleiras, conhecer os filósofos que estudaram lá.
— Filosofia é muito chata. Não sai do lugar, sempre rodando em círculos — comentou Rafael, esmagando a tela do celular para acertar os alvos do jogo.
— Nisso você tem razão, Lina. Também adoraria.
A mãe continuou:
— A dinastia ptolomaica teve 15 reis e uma rainha, Cleópatra, liderando o Egito por mais de 300 anos antes de Cristo. Durante esse período, o país viveu grande progresso, com um porto importantíssimo e uma marinha ágil e poderosa. No auge da fama, por volta de 200 a.C., a biblioteca recebeu o patrocínio dos governantes para se tornar referência da cultura helenística. Os mais entusiasmados dizem que chegaram a existir 700 mil obras em papiro; os mais realistas acreditam em 40 mil.
Enquanto explicava, Andressa quase adormecia, sentindo os dedos da mãe acariciando seus cachos. Helena, que também adorava ouvir histórias, deixou o joguinho de lado e se sentou para prestar atenção.
— E quais filósofos famosos trabalharam lá? — perguntou Carolina.
— Deixa eu conferir no celular… Foram muitos — disse a mãe, colocando os óculos e mexendo no aparelho. — Teve Aristarco, o primeiro a propor que a Terra girava em torno do Sol, muito à frente de seu tempo.
— Incrível! — suspirou Carolina.
— Teve também Euclides, considerado o pai da Geometria.
— Acho que no próximo ano vamos estudar alguma coisa de Geometria na escola — disse Andressa.
— Acho que ainda não, querida — contestou a avó.
— Teve o Hiparco, inventor do astrolábio.
— É usado para navegação, né? — perguntou Rafael. — Simbad, o marujo, usava um! — afirmou com convicção.
— Será? As aventuras dele são tão mágicas… — duvidou Carolina.
— Certeza absoluta! — confirmou Rafael. — Os árabes sempre foram ótimos em navegação.
A mãe prosseguiu:
— Teve também médicos, cartógrafos, poetas, matemáticos… O sonho era unir todo o conhecimento do mundo sob o mesmo teto. — Deu mais uma olhada no celular. — Ah, e aqui está outro muito famoso: Eratóstenes.
— Parece nome de biscoito — resmungou Rafael, levantando-se em direção à cozinha.
— Ele era astrônomo, historiador, geógrafo, filósofo, poeta, crítico de teatro e o bibliotecário-chefe da Biblioteca de Alexandria. Usando apenas medidas das sombras provocadas por varetas, calculou a circunferência da Terra com precisão impressionante. E o melhor: entendeu que o planeta não era plano, mas tinha curvatura — disse a mãe, rindo.
— Nossa, esse daí é bom mesmo! — disse Helena, levantando-se empolgada. — E há quanto tempo eles já sabiam disso?
— Há mais de 2.200 anos — respondeu o pai. — Todos esses são heróis para os astrônomos!
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