Vale dos Pinheiros

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Capítulo 31﹘Cachinhos Dourados

Estava frio, uma noite chuvosa.
Quando a campainha tocou, cada um estava entretido em seus afazeres e ninguém ouviu. Quer dizer, a pessoa com menor chance de ouvir foi quem se mexeu para atender. Leonardo abaixou os fones de ouvido até o pescoço e correu para a porta.
Entrou a Carminha, vizinha deles, com sua irmã caçula nos braços, que chorava aos berros.
— Oi, vovó! Vovó, ‘tô com problema com a Júlia. Disse a mocinha, com seu sorriso encantador. —É a primeira vez que fico de babá enquanto meus pais estão no cinema.
— Que delícia, que delícia! Fique aqui com a gente. Disse a vovó, enquanto pegava Júlia no colo, tentando acalmá-la. — Também estamos preparando um cineminha caseiro. Rafael tinha trazido cobertores para o chão da sala, enquanto Carolina aprendia a preparar pipoca na panela. Andressa e Helena ficaram de escolher o filme.
Pelo visto, Andressa não era só fã dos bichinhos; gostava muito dos humanos pequenos também. Logo se interessou em ajudar com a pequena, largando Helena de lado. Era uma graça o fato de Carminha chamar a avó Tarsila de vovó, apenas por carinho.
Quando a chorona começou a diminuir seus berros, a mocinha suspirou aliviada. Helena, poderosa, sozinha e com o controle remoto na mão, perguntou:
— Qual filme?
Ainda estava zapeando entre os canais quando, meio sem querer, a menina parou na animação dos Cachinhos Dourados. Foi um sucesso. Júlia parou de chorar e focou no desenho.
— É isso mesmo? É isso que você estava separando pra gente assistir? Rafael duvidou.
— Claro que não. Estava procurando outra coisa e caiu nisso. Helena reclamou, mas não teve jeito. Vendo a felicidade da Júlia, a vovó se pronunciou:
— Vamos todos ver esse desenho primeiro, depois escolhemos o próximo filme. 
Helena percebeu que seria um voto vencido. Não ia ter como convencer todo mundo a assistir a um filme de viagem espacial, e agora, todos assistiam ao desenho que deixava a pequeninha mais calma.— Júlia, vamos trocar para um filme de artes marciais? Já assistiu aquele em que o menino fica todo aceso quando se concentra? Rafael estava tentando, mas Júlia, só com dois anos, ainda nem falava direito.
Até Leonardo parecia interessado no filme.
— Nunca entendi muito bem essa história. Por que a menina quer comer o mingau dos ursos? Não faz sentido. Ele disse e a avó só riu, já estava entendendo o que acontecia ali. Carminha era mesmo muito lindinha.
— Não tem a ver com comer mingau. Andressa não se aguentou. — Tem a ver com adequação. O que melhor serve para cada um. O mingau nem é muito quente nem muito frio, é morno. A cama não é muito mole nem muito dura, é no ponto. A cadeira é do tamanho certo.
— Além de tudo, a Dedé ainda fica dando spoilers. Rafael reclamou, olhando para a avó.
Retomando seu plano de assistir filmes sobre viagens intergaláticas, Helena comentou:
— Papai contou que o planeta Terra vive na região da Via Láctea chamada de Cachinhos Dourados.
— Chamada, eu não diria. Está mais para um apelido, uma brincadeira. Tipo Buraco de Minhoca, sabe? Leonardo corrigiu, rindo para Carminha, sua parceira no jogo de vôlei. Helena não acreditou que seu irmão tinha prestado atenção em uma das explicações do seu pai.
— Mas que graça! Disse a avó, rindo. — A vida na Terra é a própria Cachinhos Dourados. Nosso planeta azul é feito sob medida para nós!
— Ou, a gente foi feito sob medida para este planeta. Helena encolheu os ombros.