Vale dos Pinheiros

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capítulo 26﹘Cruzeiro do Sul

Estavam montando uma expedição noturna para observar uma chuva de meteoros, as Dracônidas, evento que ocorre anualmente entre 06 e 10 de outubro. Esperavam, enquanto o pai de Helena ajustava uma luneta em seu tripé. Os meninos não se animaram muito. Leonardo estava cansado de acompanhar as noites estelares com seu pai e nem apareceu. Rafael achava que esse negócio de ficar contando estrelas cadentes do jardim era um pouco devagar.
— Verdade o que a Helena disse? Que podemos ver até 400 estrelas cadentes? Eu vim pelos pedidos. Confessou o menino.
O fenômeno, que costumava ser modesto em geral, naquele ano, segundo os modelos mais otimistas, apresentaria uma forte explosão de atividade com chuva de até 400 meteoros por hora, 400 estrelas cadentes, 400 pedidos.
— Mas você tem 400 pedidos pra fazer? Pobres estrelas cadentes! Não acha muita coisa, não? Andressa reclamou.
— Na verdade, só tenho um pedido que vou repetir 400 vezes. O menino explicou.
— Agora até eu fiquei curioso. Você vai contar o que é? Perguntou o pai de Helena.
— Não posso. O menino suspirou. — Quando a gente faz um pedido, só podemos contar depois que se realiza.
— Duvido que você vai guardar segredo. Andressa o encarou com um olhar desafiador. 
Helena riu, porque só ela sabia o que era, o último lançamento do videogame Fuga do Castelo, favorito dos dois.
— Não vai ser por muito tempo. Ele disse, virando as costas e indo pra cozinha separar lanchinhos. Seria uma longa jornada noturna se eles não caíssem no sono antes.
— Vamos ter uma noite perfeita! Sem nuvens! Comemorou a mais nova.
— Verdade! Observar o céu pode ser frustrante. Qualquer luminosidade ofusca e reduz sua definição. Bernardo, o pai, completou.
— Luzes da cidade, né? Vamos apagar tudo! Carolina correu pra se certificar de que a casa estava num escuro absoluto.
— A luz da lua também atrapalha muito, especialmente quando está cheia. Ele explicou, fazendo Andressa suspirar. Gostava de ver seu coelhinho desenhado nas crateras; sempre corria para vê-lo na lua cheia.
Enquanto as meninas se ajeitavam, deitadas nas cadeiras de praia, Rafael trazia um pacote de batata chips e pediu para a avó cozinhar salsicha, queria cachorro-quente.
— Estão vendo ali? Aquela mancha preta grande, entre o Cruzeiro do Sul e Beta Centauri? O pai os ensinava a localizar. Alfa e Beta Centauri eram como uma flecha indicando o centro do Cruzeiro do Sul.
— É uma nebulosa, conhecida como Saco do Carvão. É o Grande Vazio dos povos andinos, a passagem para os mundos superiores. Ele apontou. — Pra eles, as constelações escuras são mais importantes do que as luminosas.
No quintal, com todas as luzes apagadas, a avó chegou com os lanches, usando uma lanterninha para enxergar o caminho. Nossa! Como seu filho adorava tudo aquilo! Desde pequeno era assim!
Carolina se interessou:
— É bem diferente, né? Não sabia. Os gregos desenham as constelações com a luz das estrelas. Os andinos desenham com os espaços vazios do fundo?
— Isso. Eles também têm as constelações de estrelas visíveis, mas as invisíveis, os vazios, são mais importantes.
— Amei! São misteriosos! Disse Carolina.
— É o que dizem: tem as coisas que a gente sabe que sabe e as coisas que a gente sabe que não sabe, mas as mais interessantes são as que a gente não sabe que não sabe. Concluiu a vovó.